Um dos primeiros transtornos neurológicos conhecidos pela medicina, o delirium é até hoje um desafio para os profissionais da saúde. O problema, que consiste numa alteração grave na função do cérebro, surge de forma súbita e faz com que o paciente pareça confuso ou desorientado, causando também dificuldades para manter a atenção, pensar com clareza e lembrar-se de eventos recentes. O delirium é muito comum em doentes graves, em unidades de terapia intensiva e enfermarias de câncer, por exemplo. Estima-se, inclusive, que 25% a 60% dos idosos internados apresentam delirium em algum momento. Esses números podem ser ainda maiores se considerarmos que, em muitos casos, o transtorno sequer é diagnosticado.
A pediatra Drª. Roberta Castro destaca que há até pouco tempo, acreditava-se que somente os adultos e principalmente os idosos apresentavam delirium. Hoje, no entanto, já se sabe que as crianças também podem desenvolver a condição. “Os extremos de idade, ou seja, crianças com menos de 2 anos e idosos acima de 65 anos são os grupos mais vulneráveis”, explica a médica. Ela detalha, ainda, que o delirium pode ser hipoativo (quando o paciente fica mais apático e parece deprimido ou sonolento), hiperativo (quando o paciente fica agitado, podendo, inclusive, arrancar sondas ou machucar outras pessoas) e misto (quando há mistura dos outros dois tipos anteriores).
A especialista pontua que as palavras delirium e delírio são diferentes e não devem ser confundidas. “O delirium é uma síndrome que acontece devido a uma doença orgânica, aos efeitos do tratamento e ao ambiente onde o paciente se encontra. Já o delírio é uma alteração psiquiátrica em que o paciente apresenta crenças que destoam da realidade”, afirma. Além disso, é importante lembrar que, em idosos, o delirium é diferente de demência, já que acontece de forma súbita, ao longo de horas a dias, sendo resolvido quando sua causa é resolvida também. A demência, por outro lado, se desenvolve em meses ou anos e costuma ser irreversível.
Apesar dos séculos de estudos sobre o delirium, que foi descrito ainda na Grécia antiga, os médicos até hoje não sabem exatamente porque o problema acontece. Drª. Roberta Castro esclarece, no entanto, que já são conhecidos alguns fatores de risco. De acordo com ela, a crise costuma ser disparada por três conjuntos de gatilhos importantes:
- Existência de uma doença orgânica como pneumonia, derrame ou infecção urinária, especialmente nos casos mais graves;
- Efeitos do tratamento dessa doença, como o consumo de alguns medicamentos ou o uso de tubos, sondas e acessos venosos;
- Ambiente onde o paciente se encontra, já que os barulhos e luzes de uma UTI, a falta de diferenciação entre dia e noite e a falta de mobilidade podem causar perturbações mentais.
Drª Roberta Castro destaca que o delirium pode ser especialmente problemático quando afeta as crianças. As complicações de curto prazo nessa faixa etária incluem aumento do tempo de internação, aumento do tempo respirando em aparelhos e maior taxa de mortalidade. Já as complicações em longo prazo em pediatria ainda não estão bem esclarecidas pelos cientistas, mas acredita-se que incluem síndrome de estresse pós-traumático, ausências escolares mais prolongadas e déficits de atenção e de memória.
“Em pediatria, o diagnóstico de delirium é um grande desafio”, avalia a especialista. Isso porque os pacientes podem estar em diferentes fases de desenvolvimento (desde o recém-nascido até a adolescência), o que dificulta a identificação de alterações mentais. Além disso, o delirium é flutuante: os sintomas podem ir e vir, de modo que um paciente pode, por exemplo, não apresentar ou apresentar poucos sintomas no início do dia e piorar progressivamente no final do dia ou à noite.
Também não existe ainda um exame específico para o diagnóstico, que depende de avaliação feita pela equipe de saúde. Os responsáveis e a família do paciente são muito importantes nesse processo, pois podem apontar mudanças de comportamento. “Quando o cuidador ou familiar faz esse tipo de comentário, é muito importante que o paciente seja avaliado imediatamente para delirium”, afirma Drª. Roberta.
A médica detalha que não há um tratamento específico para o transtorno. Até o momento, também não existe um remédio para tratar o delirium, já que os cientistas ainda não descobriram a sua verdadeira causa. No entanto, sabe-se que controlar um episódio ajuda a prevenir o surgimento de novas crises. Para tratar de um paciente com delirium, a equipe de saúde precisa se concentrar em:
- Evitar fatores que possam causar ou agravar o quadro;
- Identificar e tratar a doença subjacente;
- Controlar comportamentos perigosos e perturbadores para evitar danos ao paciente ou a outras pessoas.
“A principal forma de prevenção e tratamento é não-farmacológica. Isso inclui mostrar para o paciente as diferenças entre dia e noite; orientar quanto à hora do dia e o dia da semana; e estimular a comunicação e a movimentação”, diz a pediatra Roberta Castro. Em caso de crianças pequenas, medidas como embalar o bebê e amamentá-lo, quando possível, também podem ser bastante úteis.