Falta de legislação e de regras para disseminar a implantação de infraestrutura nos locais adequados fazem do Brasil um dos países onde a vida selvagem mais sofre com atropelamentos em rodovias, estradas e ferrovias. Adotar medidas para reduzir essa matança também protegeria vidas humanas e pouparia recursos públicos e privados.
O Brasil é um país muito rico em biodiversidade, mas todo ano cerca de 450 milhões de animais morrem atropelados nas rodovias, estradas e ferrovias que cortam o país (CBEE | UFLA). Inclusive dentro de parques nacionais e outras áreas de proteção da natureza
Ao mesmo tempo, túneis, pontes, cercas, sinalização, redutores de velocidade e outras estruturas para permitir a passagem de animais e reduzir suas mortes pelo tráfego crescente de automóveis, caminhões e trens, são instaladas em algumas regiões.
Entre as unidades de conservação que receberam estruturas para conter atropelamentos, figuram os parques estaduais do Morro do Diabo e Carlos Botelho, em São Paulo, a Estação Ecológica do Taim (RS), o Parque Nacional da Serra da Bocaina (SP) e a Floresta Nacional de Carajás (PA). Medidas iniciais são adotadas nas reservas biológicas do Poço das Antas (RJ) e de Sooretama (ES).
No exterior, um dos melhores exemplos vem do Parque Nacional Banff, no Canadá. Pesquisas e monitoramento permanentes permitiram a implantação de quase 50 passarelas verdes e túneis, além de redutores de velocidade, iluminação e sinalização. As medidas levaram à redução de 80% no número de acidentes com animais.
“São ações positivas que poderiam ser avaliadas, qualificadas e adotadas em todo o Brasil, especialmente em áreas protegidas ou importantes para a conservação da biodiversidade”, avalia Alex Bager, diretor do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) da Universidade Federal de Lavras (MG). Mas, há pedras nesse caminho.
Contra atropelamentos de fauna no Brasil, há apenas uma instrução normativa do Ibama, de 2013, que fixa regras para o licenciamento ambiental de rodovias e ferrovias. Desde 2015, uma Estratégia Nacional para Mitigação de Impactos da Infraestrutura Viária na Biodiversidade, iniciativa de órgãos públicos, privados e não governamentais, promove ações para a redução de impactos provocados pela infraestrutura viária.
“Na prática, temos apenas uma normativa do Ibama regulando o licenciamento, cuja aplicação é precária. Enquanto isso, muitas medidas de mitigação são implantadas com pouca ou nenhuma robustez científica e praticamente não há monitoramento sobre o uso das passagens aéreas e subterrâneas”, ressalta o pesquisador.
Isso pode ser um “tiro pela culatra”, não contendo a mortandade de animais e usando mal os já escassos recursos para a redução de impactos ambientais. Soluções passam pela qualificação do licenciamento e dos estudos que ajudam a decidir sobre os melhores locais e métodos para a implantação de estruturas voltadas à redução de atropelamentos.
Hoje há coleta des grande quantidades de dados ambientais nos licenciamentos ambientais, mas a análise e tomada de decisão são precárias, afirma Steen Bager, da EnvironBIT, empresa especializada em data science e tomada de decisão em infraestrutura viária e biodiversidade.
PREJUÍZOS – Pois, um projeto de lei propondo ações e estudos contra atropelamentos de animais e monitoramento das passagens de fauna aguarda aprovação no Congresso Nacional, há quatro anos. Enquanto isso não acontece, crescem os prejuízos ambientais, humanos e econômicos oriundos da mortandade na estrutura viária brasileira.
Conforme a Polícia Rodoviária Federal, 2% dos acidentes em rodovias e estradas envolvem o atropelamento de animais, selvagens e domésticos. São mais de 11 mil acidentes desse tipo a cada ano, levando a mais de 300 mortes humanas. Outras 1.027 pessoas sofreram lesões graves e 3.604 tiveram lesões leves, em 2017.
Os custos anuais com a perda de vidas humanas provocada por acidentes com animais é superior a R$ 200 milhões, conforme análises do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas e da Polícia Rodoviária Federal. Se forem somados os custos dos acidentes sem vítimas humanas, o montante ultrapassa os R$ 760 milhões anuais.
Desprezando tais impactos humanos e ambientais, um projeto de lei tramitando no Legislativo Federal pode reduzir medidas contra atropelamentos de animais, dispensando obras em estradas e rodovias de licenciamento. Enquanto isso, parlamentares querem abrir uma rodovia através do Parque Nacional do Iguaçu (PR), colocando em risco inúmeras espécies na última grande mancha preservada de Mata Atlântica no sul do país.
ESFORÇO COLETIVO – Desde 2014, o Brasil conta com um aplicativo para celulares que mapeia os pontos de atropelamento de fauna selvagem, o “Sistema Urubu”. Hoje, são mais de 25 mil usuários e mais de 100 mil registros de animais selvagens atropelados, em todos os estados e biomas. Uma nova versão do aplicativo será lançada em novembro.