Papa Francisco pede distribuição de vacinas aos países pobres
Apenas um pequeno grupo de pessoas em um altar secundário da basílica acompanhou a celebração de Páscoa no Vaticano
Na basílica de São Pedro quase vazia, o papa Francisco pediu neste domingo de Páscoa (4) à comunidade internacional a rápida distribuição de vacinas contra a Covid, sobretudo para os países pobres, e chamou de “escandalosos” os conflitos armados e o gasto militar durante a pandemia.
Com o coronavírus, este foi o segundo ano seguido em que as celebrações de Páscoa ficaram esvaziadas – havia apenas um pequeno grupo de pessoas em um altar secundário da basílica durante a missa, ao invés de multidões na igreja ou na praça do lado de fora.
“A pandemia ainda está em pleno curso, a crise social e econômica são muito graves, especialmente para os mais pobres; e apesar de tudo -e isso é escandaloso-, os conflitos armados não cessam e os arsenais militares são reforçados”, criticou o papa durante sua homilia, antes da bênção Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo).
Em relação aos conflitos, ele citou a Síria, “onde milhões de pessoas vivem atualmente em condições desumanas”, o Iêmen, “cujas vicissitudes estão cercadas de um silêncio ensurdecedor e escandaloso”, e a Líbia, “onde finalmente se vislumbra a saída de uma década de contendas e enfrentamentos sangrentos”.
Francisco, que muitas vezes clamou pelo desarmamento e pelo banimento total da posse de armas nucleares, disse: “Ainda há muitas guerras e muita violência no mundo. Que o Senhor, que é a nossa paz, nos ajude a vencer o mentalidade de guerra.”
Além das populações que sofrem com os conflitos, o papa dedicou a missa aos mais vulneráveis, aos doentes de Covid-19 e aos migrantes.
Após homenagear médicos e enfermeiras na linha de frente da pandemia, o papa lembrou que as vacinas são uma ferramenta essencial nesta luta, e pediu que a comunidade internacional se comprometa a suprir os atrasos na distribuição.
Francisco, que normalmente teria feito o discurso para até 100 mil pessoas na praça de São Pedro, falou para menos de 200 na igreja enquanto a mensagem era transmitida para dezenas de milhões em todo o mundo.
A praça estava vazia, exceto por alguns policiais que impunham um rígido bloqueio nacional de três dias.
MENSAGEM URBI ET ORBI DO SANTO PADRE
(Domingo de Páscoa, 4 de abril de 2021)
Queridos irmãos e irmãs, boa Páscoa! Boa, santa e serena Páscoa!
Hoje ressoa, em todas as partes do mundo, o anúncio da Igreja: «Jesus, o crucificado, ressuscitou, como tinha dito. Aleluia».
O anúncio de Páscoa não oferece uma miragem, não revela uma fórmula mágica, não indica uma via de fuga face à difícil situação que estamos a atravessar. A pandemia está ainda em pleno desenvolvimento; a crise social e económica é muito pesada, especialmente para os mais pobres; apesar disso – e é escandaloso –, não cessam os conflitos armados e reforçam-se os arsenais militares. Isto é o escândalo de hoje.
Perante, ou melhor, no meio desta complexa realidade, o anúncio de Páscoa encerra em poucas palavras um acontecimento que dá a esperança que não dececiona: «Jesus, o crucificado, ressuscitou». Não nos fala de anjos nem de fantasmas, mas dum homem, um homem de carne e osso, com um rosto e um nome: Jesus. O Evangelho atesta que este Jesus, crucificado sob Pôncio Pilatos por ter dito que era o Cristo, o Filho de Deus, ao terceiro dia ressuscitou, conforme as Escrituras e como Ele próprio predissera aos seus discípulos.
O próprio Crucificado, não outra pessoa, ressuscitou. Deus Pai ressuscitou o seu Filho Jesus, porque cumpriu até ao fim o seu desígnio de salvação: tomou sobre Si a nossa fraqueza, as nossas enfermidades, a nossa própria morte; sofreu as nossas dores, carregou o peso das nossas iniquidades. Por isso Deus Pai O exaltou, e agora Jesus Cristo vive para sempre, Ele é o Senhor.
As testemunhas referem um detalhe importante: Jesus ressuscitado traz impressas as chagas das mãos, dos pés e do peito. Estas chagas são a chancela perene do seu amor por nós. Quem sofre uma provação dura, no corpo e no espírito, pode encontrar refúgio nestas chagas, receber através delas a graça da esperança que não dececiona.
Cristo ressuscitado é esperança para quantos ainda sofrem devido à pandemia, para os doentes e para quem perdeu um ente querido. Que o Senhor lhes dê conforto, e apoie médicos e enfermeiros nas suas fadigas! Todos, sobretudo as pessoas mais frágeis, precisam de assistência e têm direito a usufruir dos cuidados necessários. Isto é ainda mais evidente neste tempo em que todos somos chamados a combater a pandemia, e um instrumento essencial nesta luta são as vacinas. Por isso, no espírito dum «internacionalismo das vacinas», exorto toda a comunidade internacional a um empenho compartilhado para superar os atrasos na distribuição delas e facilitar a sua partilha, especialmente com os países mais pobres.
O Crucificado Ressuscitado é conforto para quantos perderam o trabalho ou atravessam graves dificuldades económicas e carecem de adequada proteção social. O Senhor inspire a ação das autoridades públicas para que a todos, especialmente às famílias mais necessitadas, sejam oferecidas as ajudas necessárias para um condigno sustento. Infelizmente a pandemia elevou de maneira dramática o número dos pobres, fazendo cair no desespero milhares de pessoas.
«É necessário que os “pobres” de todo o género reaprendam a esperar», disse São João Paulo II na sua viagem ao Haiti (Homilia no encerramento do Congresso Eucarístico e Mariano, 09/III/1983, 4). E é precisamente para o querido povo haitiano que, neste dia, vai o meu pensamento e encorajamento a fim de não se deixar vencer pelas dificuldades, mas olhar para o futuro com confiança e esperança. É verdade! O meu pensamento dirige-se de forma especial para vós, queridas irmãs e irmãos haitianos: estou unido e solidário convosco e faço votos de que se resolvam definitivamente os vossos problemas. Rezo por isso, queridos irmãos e irmãs haitianos.
Jesus ressuscitado é esperança também para tantos jovens que foram forçados a transcorrer longos períodos sem ir à escola ou à universidade e sem partilhar o tempo com os amigos. Todos precisamos de viver relações humanas reais e não apenas virtuais, sobretudo na idade em que se formam o caráter e a personalidade. Ouvimo-lo na passada sexta-feira durante a Via-Sacra das crianças. Estou unido aos jovens de todo o mundo e, neste momento, especialmente aos da Birmânia que se empenham pela democracia, fazendo ouvir pacificamente a sua voz, cientes de que o ódio só pode ser dissipado pelo amor.[1]
Que a luz do Ressuscitado seja fonte de renascimento para os migrantes que fogem da guerra e da miséria. Nos seus rostos, reconhecemos o rosto desfigurado e sofredor do Senhor que sobe ao Calvário. Oxalá não lhes faltem sinais concretos de solidariedade e fraternidade humana, penhor da vitória da vida sobre a morte que celebramos neste dia. Agradeço aos países que acolhem com generosidade os atribulados à procura de refúgio, especialmente o Líbano e a Jordânia, que alojam muitos refugiados em fuga do conflito sírio.
Possa o povo libanês, que atravessa um período de dificuldades e incertezas, sentir a consolação do Senhor ressuscitado e ter o apoio da comunidade internacional na sua vocação de ser uma terra de encontro, convivência e pluralismo.
Cristo, nossa paz, faça cessar finalmente o fragor das armas na amada e atormentada Síria, onde vivem já em condições desumanas milhões de pessoas, bem como no Iémen, cujas vicissitudes estão rodeadas por um silêncio ensurdecedor e escandaloso, e na Líbia, onde se vislumbra finalmente a via de saída dum decénio de contendas e confrontos sangrentos. Que todas as partes envolvidas se empenhem efetivamente por fazer cessar os conflitos e permitir aos povos exaustos pela guerra que vivam em paz e iniciem a reconstrução dos respetivos países.
A Ressurreição leva-nos, naturalmente, a Jerusalém. Para ela imploramos do Senhor paz e segurança (cf. Sal 122), a fim de que corresponda à sua vocação de ser lugar de encontro onde todos se possam sentir irmãos e onde israelitas e palestinenses encontrem a força do diálogo para alcançar uma solução estável, em que convivam lado a lado dois Estados em paz e prosperidade.
Neste dia de festa, o meu pensamento volta ainda ao Iraque, que tive a alegria de visitar no mês passado e pelo qual rezo a fim de continuar o caminho de pacificação empreendido e deste modo realizar o sonho de Deus duma família humana hospitaleira e acolhedora para todos os seus filhos.[2]
A força do Ressuscitado sustente as populações africanas que veem o seu futuro comprometido por violências internas e pelo terrorismo internacional, especialmente no Sahel e na Nigéria, bem como na região de Tigré e Cabo Delgado. Continuem os esforços para se encontrar soluções pacíficas para os conflitos, no respeito pelos direitos humanos e a sacralidade da vida, através dum diálogo fraterno e construtivo em espírito de reconciliação e operosa solidariedade.
No mundo, há ainda demasiadas guerras e violências! O Senhor, que é a nossa paz, nos ajude a vencer a mentalidade da guerra. Conceda a quantos estão prisioneiros nos conflitos, especialmente no leste da Ucrânia e no Nagorno-Karabakh, a graça de retornarem sãos e salvos às suas famílias, e inspire os governantes de todo o mundo a travarem a corrida a novos armamentos. Hoje, 4 de abril, celebra-se o Dia Mundial contra as Minas Antipessoais, munições velhacas e terríveis que, anualmente, matam ou mutilam tantas pessoas inocentes e impedem os seres humanos de «caminhar juntos pelas sendas da vida, sem ter receio das ciladas de destruição e de morte».[3] Como seria melhor um mundo sem estes instrumentos de morte!
Queridos irmãos e irmãs, também este ano, em vários lugares, muitos cristãos celebram a Páscoa no meio de grandes limitações e, às vezes, sem poderem sequer ir às celebrações litúrgicas. Rezemos para que tais limitações, bem como toda a limitação à liberdade de culto e religião no mundo, sejam removidas e cada um possa livremente rezar e louvar a Deus.
No meio das múltiplas dificuldades que estamos a atravessar, nunca esqueçamos que fomos curados pelas chagas de Cristo (cf. 1 Ped 2, 24). À luz do Ressuscitado, os nossos sofrimentos são transfigurados. Onde havia morte, agora há vida; onde havia luto, agora há consolação. Ao abraçar a Cruz, Jesus deu sentido aos nossos sofrimentos. E, agora, rezemos para que os efeitos benéficos daquela cura se espalhem por todo o mundo. Boa, santa e serena Páscoa!