Pela primeira vez, gêmeos gerados com DNA de dois pais nascem no Brasil
Marc e Maya nasceram nesta quarta-feira (23) em um hospital de Brasília, onde vive a família, e passam bem
Marc e Maya. Esses são os nomes dos gêmeos que nasceram após terem sido gestados, pela primeira vez no Brasil, com o material genético de dois pais.
Esse tipo de gestação, inédito no Brasil, foi possível após a publicação da resolução 2294, do CFM (Conselho Federal de Medicina), que permite a utilização de óvulos de parentes de até quarto grau para gerar bebês.
Os gêmeos nasceram nesta quarta-feira (23) em um hospital de Brasília, onde vive a família, e passam bem. Maya nasceu às 11h08, com 45 cm e 2,3 kg. Dois minutos depois, às 11h10, nasceu Marc, com 44,5 cm e 2,3 kg.
Todo o processo, desde o planejamento até o nascimento, vem sendo registrado nas redes sociais pelo casal Gustavo Catunda e Robert Rosselló, juntos há 10 anos. A documentação fotográfica é assinada por Rafael Nunes e Mariana Aerre.
“Hoje [quarta-feira (23)] foi sem dúvidas o dia mais longo e mais emocionante das nossas vidas. O sentimento é impossível de se descrever. Não, nunca sentimos nada que se comparasse ao sentimento que tivemos hoje! Nosso amor de casal, que já era o maior do mundo, agora tomou uma proporção imensurável. O amor de uma família que se formou hoje. Nosso maior legado!”, escreveram Gustavo e Robert.
A história da gestação dos gêmeos Marc e Maya teve início no ano passado quando Gustavo pediu à prima, Lorenna Resende, que ela pudesse ser a barriga solidária do casal.
Ela concordou e, a partir daí, eles procuraram uma clínica especializada em reprodução assistida e deram início ao processo de preparação para a fertilização in vitro.
Robert doou os espermatozóides e a transmissão de no mínimo 50% dos dados genéticos de Gustavo foi garantida através de sua irmã, Camila Catunda, que doou os óvulos. Assim, após a fecundação, os óvulos fecundados foram implantados no útero da prima de Gustavo, Lorenna.
Em seus posts e stories publicados nas redes sociais, o casal conta que já vem acalentando o sonho de ter filhos há um bom tempo. Eles contam também que, desde o início, seu desejo era poder usar a combinação do material genético de ambos.
LEGISLAÇÃO
Em 2015, quando fizeram o primeiro movimento para a realização do sonho, descobriram que não poderiam usar o óvulo da irmã de Gustavo por conta de impeditivos nas leis brasileiras.
A legislação, à época, permitia apenas que a doação de material genético fosse feita de forma anônima, sem que se soubesse a procedência biológica da doadora.
Com a alteração da norma do CFM, os bebês puderam ser gerados a partir do sêmen de Roberto, o óvulo de Camila e a barriga solidária de Lorenna.
“A nova resolução vem ao encontro de muitas decisões judiciais”, afirma o médico especialista em reprodução humana Adelino Amaral, membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do CFM.
“Antes, o casal que precisasse recorrer aos óvulos de uma outra mulher só os obtinha de forma anônima, sem saber a procedência. A nova resolução agora permite que esse material genético possa ser obtido com parentes de até quarto grau de parentesco”.
Amaral acredita que essa mudança vai abrir mais possibilidades para os casais que, por razões diversas, não conseguem gerar filhos. “O caso do Gustavo e do Robert é o primeiro no Brasil, é inédito após a resolução. Essa medida irá beneficiar muitos casais”.
HERANÇA GENÉTICA
“A nova resolução trouxe uma mudança significativa no processo de reprodução assistida e irá beneficiar muito os casais homoafetivos”, afirmou à reportagem o ginecologista e obstetra Nicolas Cayres, que acompanhou a gestação dos gêmeos. “Ela possibilita que as crianças nascidas dessas uniões possam ser geradas mantendo-se a herança biológica do casal”.
Cayres explica que os irmãos, como no caso de Camila e Gustavo, podem deter, no mínimo, 50% do mesmo material genético. “Robert e Gustavo tinham o desejo de conseguir realizar uma gestação com a utilização do material biológico de ambos, mas pela impossibilidade legal, já começavam a busca uma solução em bancos de óvulos. Foi quando saiu a decisão do CFM”.
O especialista afirma que a resolução também beneficiará outros perfis de pacientes com desejo reprodutivo. “Como, por exemplo, uma mulher que entrou na menopausa precocemente e quer ser mãe.
Agora ela pode usar o óvulo de uma irmã. Lembrando que a mulher que doa o óvulo não pode ser a mesma que vai entrar como barriga solidária, para não configurar vínculo materno. Essa é uma exigência do CFM”.
MAURÍCIO BUSINARI
BRASÍLIA, DF (UOL/FOLHAPRESS)