Brasil negocia compra de vacina contra varíola dos macacos

Organização Mundial da Saúde decretou estado de emergência internacional de saúde pública devido à escalada de casos da doença no mundo


Por Folhapress
Brasil negocia compra de vacina contra varíola dos macacos

Governo Federal negocia compra do imunizante com o laboratório dinamarquês Bavarian Nordic. O Governo de São Paulo indica estudos para fabricação no Brasil, no Instituto Butantan e na Fiocruz

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o Brasil já está negociando com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) a compra da vacina contra a varíola dos macacos.

A varíola dos macacos (monkeypox) foi declarada como emergência global de saúde pública pela OMS (Organização Mundial de Saúde) no sábado (23).


De acordo com Queiroga, a SVS (Secretaria de Vigilância em Saúde) está em processo de avaliar a quantidade necessária. A compra será feita por meio do fundo rotatório, um mecanismo internacional de cooperação técnica para acesso a vacinas.

O ministro da Saúde Marcelo Queiroga – Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom (Agência Brasil)


“Só há uma fabricante [a empresa de biotecnologia dinamarquesa Bavarian Nordic] e não tem representante no Brasil. Assim, a aquisição deve ser via Opas“, afirma o ministro.


De acordo com Queiroga, a declaração de emergência global da OMS ocorre em um momento em que as medidas de contenção dos casos estão sendo adotadas no Brasil.

“A rede de diagnóstico está estruturada. Todos os casos estão sendo acompanhados”, disse.

607 CASOS DE VARÍOLA DOS MACACOS NO BRASIL


No Brasil, o Ministério da Saúde confirma 607 casos da doença até a última sexta (22). O saldo é mais do que o dobro verificado no último dia 9, quando havia 218 diagnósticos confirmados em todo o país.

Os casos da doença concentram-se principalmente em São Paulo. No total, conforme dados do ministério, o estado registrou 438 diagnósticos positivos da doença até esta sexta, representando cerca de 72% do total.


Em 23 de maio, o Ministério da Saúde montou uma sala de situação para direcionar ações de saúde pública e divulgar informações sobre a monkeypox. No entanto, no dia 11 deste mês, a sala foi descontinuada pela pasta.


A partir de então, as ações de vigilância para a monkeypox foram distribuídas em diferentes áreas que compõem a Secretaria de Vigilância em Saúde. De acordo com Queiroga, por enquanto, as ações continuarão independentes da sala de situação.

“Vamos focar na vigilância. O monitoramento é contínuo.”

VACINA CONTRA A VARÍOLA DOS MACACOS


A vacina Imvanex já obteve aprovação para a prevenção da varíola dos macacos nos Estados Unidos e no Canadá. No sábado (23), a EMA (Agência Europeia de Medicamentos) também recomendou a aprovação do alargamento do imunizante, usada até 2013 no combate à varíola, para a proteção de adultos contra o vírus da varíola dos macacos.


“A extensão do rótulo ajudará a melhorar o acesso à vacina em toda a Europa e fortalecerá a preparação futura contra a varíola dos macacos“, disse o CEO da Bavarian Nordic, Paul Chaplin, em comunicado.


Nos Estados Unidos, a FDA (agência regulatória americana) também já aprovou o uso da vacina ACAM2000 (Sanofi) para a prevenção da doença.

AUTONOMIA PARA APROVAÇÃO DA VACINA CONTRA A VARÍOLA DOS MACACOS NO BRASIL


De acordo com o médico epidemiologista Fabio Mesquita, que já foi diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, embora não haja um consenso global sobre a eficácia das vacinas na prevenção dos casos de varíola dos macacos, as grandes agências regulatórias têm autonomia para aprová-la para esse fim.


“Na Europa, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, as vacinas estão sendo utilizadas só em áreas de alto risco de transmissão, em homens que fazem sexo com homens e profissionais de saúde. A produção industrial é pequena, elas ainda não foram largamente adotadas em nenhum país”, diz ele, que atualmente é membro do corpo técnico da OMS lotado em Mianmar.


Segundo Mesquita, também há medicamentos em pesquisas para eventuais indicações na fase clínica da doença.

“Temos que oferecer os melhores cuidados clínicos possíveis. Mesmo que até agora não se observa uma mortalidade acentuada, várias pessoas relatam que a dor pode ser insuportável”, diz.


Para ele, é muito importante alertar que, embora a doença esteja se espalhando mais entre os homens que fazem sexo com homens, esse público não pode ficar estigmatizado.

CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

OMS DECLARA EMERGÊNCIA DE SAÚDE GLOBAL

Na manhã do sábado (23), a OMS (Organização Mundial de Saúde) classificou a disseminação da varíola dos macacos como emergência pública de preocupação global. O anúncio foi feito pelo diretor-geral da organização, Tedros Adhanom.


A classificação foi tema de discussões na última semana, e o comitê de emergência da OMS não entrou em consenso sobre a doença ser tratada ou não como emergência global.

Coube ao diretor, com critérios explicados durante o anúncio, decidir constatar a varíola de macacos como emergência pública que deve ser observada e combatida globalmente.

O diretor-geral da organização da OMS, Tedros Adhanom


“Nós acreditamos ser o momento deste anúncio, considerando que, dia após dia, mais países e pessoas têm sido afetados pela doença. Precisamos de coordenação e solidariedade para controlar esse surto”, disse Adhanom, afirmando que o risco no mundo ainda é relativamente moderado, exceto na Europa, onde é alto.

PREOCUPAÇÃO COM O ESTIGMA DA DOENÇA


Outra preocupação da OMS é o estigma gerado pela doença. Hoje, segundo a organização, 90% das infecções por varíola dos macacos se dão em homens que têm relações sexuais com outros homens.

“Estigma e discriminação podem ser mais perigosos que qualquer vírus”, declarou Tedros Adhanom.

ESTUDOS


De acordo com um estudo recém-publicado no New England Journal of Medicine, com 528 pessoas em 16 países –o maior até o momento–, 95% dos casos foram por meio de atos sexuais.

De acordo com o portal Our World in Data, da Universidade de Oxford, até a última quinta-feira (21), já são 15.510 casos de varíola dos macacos em 74 países.


CAUSAS E SINTOMAS


A enfermidade é causada pelo monkeypox, um vírus do gênero orthopoxvirus. Outro patógeno que também é desse gênero é o que acarreta a varíola comum, doença erradicada em 1980.


Os sintomas iniciais da varíola dos macacos são principalmente dores no corpo, febre, mal-estar e cansaço. Então, a doença evolui para um quadro em que aparecem lesões no corpo em formato de bolhas.

ENDEMIA


O cenário de preocupação com a varíola dos macacos se iniciou em maio, quando ocorreu a disseminação do patógeno em regiões não endêmicas (até então, era um vírus endêmico na África central e ocidental), como na Europa e nos Estados Unidos.


Diante da situação, o Ministério da Saúde montou, em 23 de maio, uma sala de situação para direcionar ações de saúde pública e divulgar informações sobre a monkeypox. No entanto, no dia 11 deste mês, a sala foi descontinuada pela pasta.


BRUNO LUCCA E CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

BRASIL CHEGA A MAIS DE 600 CASOS DE VARÍOLA DOS MACACOS

O Brasil chegou a 607 casos confirmados de varíola dos macacos, de acordo com atualização do Ministério da Saúde na sexta-feira (22). O saldo é mais do que o dobro verificado no último dia 9, quando havia 218 diagnósticos confirmados em todo o país.


Os casos da doença concentram-se principalmente em São Paulo. No total, conforme dados do ministério, o estado registrou 438 diagnósticos positivos da doença até esta sexta, representando cerca de 72% do total.


No entanto, a Secretária da Saúde estadual disse que já são 466 casos da doença confirmados no estado. A maior parte deles é na capital paulista -no total, foram 385 somente na cidade.


“Todos os pacientes estão com boa evolução do quadro e são acompanhados pelas vigilâncias epidemiológicas dos seus respectivos municípios, com o apoio do estado”, completa a nota da secretaria.


O primeiro caso da doença no Brasil foi em 9 de junho em São Paulo. Desde então, a varíola dos macacos já foi registrada em outras 13 estados.



O Governo de São Paulo também estuda um plano de imunização para a varíola dos macacos. Desde 30 de junho, um comitê do Instituto Butantan considera a compra dos imunizantes ou realizar a transferência de tecnologia para a produção da vacina no país. Ambas as medidas continuam sendo avaliadas pelo governo estadual.

SAMUEL FERNANDES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

VACINA CONTRA VARÍOLA DOS MACACOS TEM DISPUTA ACIRRADA E NÃO CHEGA TÃO LOGO, DIZ SECRETÁRIO DE SÃO PAULO

O infectologista David Uip, 70, secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do governo paulista, afirma que há uma disputa acirrada no mundo todo pela vacina contra a varíola dos macacos e que, portanto, ela não deve chegar ao Brasil a curto prazo.


Uma alternativa, de acordo com Uip, é que o imunizante seja fabricado no Brasil pelos laboratórios de Farmanguinhos (Fiocruz) e pelo Instituto Butantan, que criou um comitê técnico para estudar a produção de vacina.

No dia 9 de junho, pesquisadores da USP divulgaram o sequenciamento genético do vírus monkeypox (MPXV), que causa a varíola dos macacos.

POSSIBILIDADE DE PRODUZIR A VACINA NO BRASIL


“Mas daí até transformar isso em IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), em capacidade de produção e armazenamento demora. A notícia que eu tinha é que a possibilidade de termos uma nova vacina no Brasil é de nove meses”, afirma.


A curto prazo, Uip diz que é necessário capacitar a rede de saúde para o diagnóstico e tratamento dos casos, que envolve isolamento de três semanas. Ele defende uma atenção especial às gestantes porque já existem estudos associando o vírus (monkeypox) a um maior risco de aborto.


Segundo ele, também são importantes ações contra o estigma e o preconceito que podem cercar a doença, já que a maior prevalência tem sido maior entre homens que fazem sexo com homens.


“Isso foi um desastre no passado [com a epidemia de Aids]. Já tem muitos casos que não têm nada a ver [com transmissão sexual]. Já existem casos em que o contato envolvido foram roupas de cama, toalhas. Não se pode pensar com simplicidade essa história. A velocidade da transmissão e as formas de contágio assustam bastante”, afirma.


No cargo como secretário desde maio, Uip é responsável por integrar as ações de vigilância epidemiológica, assistência, pesquisa, ensino e produção de novas vacinas e de medicamentos para combate a doenças infecciosas.


O infectologista David Uip, secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde de São Paulo

ENTREVISTA COM DAVID UIP


O que muda com a OMS declarando a varíola dos macacos como emergência pública de preocupação global?



David Uip – Isso unifica as dificuldades e, assim, aparecem as soluções, inclusive a readequação e a distribuição de vacinas, recursos e a compatibilidade de programas públicos entre os países.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou que o país já negocia com a Opas a compra de vacina. É o caminho?


A vacina dinamarquesa [Imvanex] está sendo disputada em todo o mundo. Os Estados Unidos aumentaram a encomenda, a União Europeia também. Aí vamos ter que entrar na fila. Não vejo outra alternativa e não vejo nada a curto prazo. O ministério está negociando com as mesmas dificuldades.

Mesmo via Opas?


Pode ser que com a declaração de emergência global isso mude. Pelos caminhos habituais, a expectativa era longa. A outra alternativa, se possível, é que Farmanguinhos e Butantan produzam a vacina.

O vírus já foi isolado, mas daí até transformar isso em IFA, em capacidade de produção e armazenamento demora. A notícia que eu tinha é que a possibilidade de termos uma nova vacina no Brasil é de nove meses. O Butantan criou um comitê para monitorar os casos da doença no estado e avaliar a produção de uma vacina contra a doença.

E a curto prazo, o que precisa ser feito?


Primeiro, preparar o sistema para se capacitar para diagnosticar e atender esse casos tanto do ponto de vista das Unidades Básicas de Saúde (UBS) até os hospitais de referência. O Emílio Ribas [na capital paulista] já passou de 200 casos há mais de uma semana.

Alguns casos vão ser tratados em casa, outros vão precisar ser internados pela exuberância de sintomas. Me preocupa muito as populações vulneráveis, como os imunodeprimidos e as mulheres grávidas. Toda vez que você diagnostica, exige isolamento longo, cerca de três semanas.

O sr. mencionou mulheres grávidas. Há alguma recomendação especial para esse grupo?


Há casos na literatura mostrando que se a mulher grávida adquire esse vírus tem mais chances de aborto. Ainda não dá para saber se o aborto foi porque tiveram o vírus, mas é um alerta. A outra situação é no periparto. Se a mulher for infectada neste período, a indicação é de cesárea.

Já existem protocolos no Brasil sobre as condutas clínicas para diferentes públicos?


Nós, no âmbito da saúde, estamos tentando protocolar tudo, até protocolo de comunicação. Você tem que avisar, tem que mostrar, mas não pode criar pânico.

Como combater a questão do estigma já que a doença tem sido mais frequentemente diagnosticada entre os HSH (homens que fazem sexo com homens)?


Não podemos cometer os erros do passado [durante a epidemia de Aids], achando que é uma doença de uma população isolada. Isso foi um desastre, e essa conta do estigma e do preconceito nós pagamos até hoje.

A transmissão [entre homens que fazem sexo com homens] pode ser o início, mas não só. Já tem muitos casos que não têm nada a ver [com transmissão sexual]. Já existem casos em que o contato envolvido foram roupas de cama, toalhas. Não se pode pensar com simplicidade essa história. A velocidade da transmissão e as formas de contágio assustam bastante.

O que já sabe sobre as formas de contágio além da sexual?


O vírus pode ser transmitido ao se tocar as feridas causadas pela infecção ou por contato próximo e prolongado com secreções respiratórias de pessoas infectadas. Por isso, o uso de máscara é muito importante.

Os sintomas iniciais, como febre, aumento de gânglios e vermelhidão no corpo, se assemelham aos de outras doenças. Depois é que vêm as vesículas (bolhas). Você só não é mais contagioso no momento em que todas as lesões ficarem crostosas.

CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

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